Quando era criança, ele lhe
dissera:
– Sabe, todo mundo tem um
correspondente em outro planeta. Eu descobri que meus poderes vêm de Marte. Sou
o príncipe de lá. Me dê a sua mão. Posso descobrir quem você é. Já sei que
também é da realeza.
Ela lhe deu a mão de bom grado,
ele a tomou entre as suas e se concentrou por alguns minutos. Por fim, fez uma
expressão de espanto e orgulho e lhe disse:
– Sabe de qual planeta você é
princesa?
Ela esperou, já maravilhada.
– Você a princesa do maior e mais
bonito planeta.
Ela, apesar de ainda pequena,
sabia exatamente qual era o maior planeta, e perguntou a ele:
– Sou a princesa de Júpiter?
– É... a princesa de Júpiter.
Desse dia em diante, ela viveu
maravilhada consigo mesma. Afinal, ela era a princesa de Júpiter! Olhava-se no
espelho e se via vestida como as princesas dos livros de contos de fadas que
lia tão vorazmente. Gabava-se para si mesma... mas só parar si. Não era fútil
ao ponto de se gabar para ele e, quanto às outras pessoas... quem iria
acreditar se ela dissesse? E depois, também, não poderia correr o risco de que
alguém acreditasse. Era o segredo deles. Ela jamais contou a ninguém.
Depois ela cresceu, mas não se
esqueceu disso, tampouco deixou de acreditar. A diferença era que agora era tudo
uma metáfora: naquela noite, ele não havia descoberto que planeta a fazia
especial; ele havia, na verdade, a elegido a princesa do SEU mundo. Ela se
tornara, dali em diante, a única menina que ele amaria, como a uma filha. Era a
única pessoa pela qual ele desistiria de algo.
***
À medida que foram crescendo,
cada vez passavam mais tempo juntos. Eles adivinhavam os pensamentos um do
outro, ficaram perplexos com a sintonia e a ligação que construíram nesses 10
anos de cumplicidade e companheirismo.
Entretanto, havia diferenças. Ela
sabia do seu ceticismo, da falta de amor que era sua essência, embora não
conseguisse entender. Ele dizia que ela era a sua mais perfeita cria, e que
tinha apenas num defeito: um coração. Apesar disso, ela não havia deixado de
ser a sua princesa, a menina dos seus olhos, a única pessoas que ele realmente
amava. Ele sempre disse a ela que jamais a faria sofrer, a não se que fosse
temporário, um meio para fazer um bem maior em sua vida. E por duas vezes lhe
tinha dito: você é a minha razão de viver.
Ela entendia tudo isso, e se
preocupava com ele como nunca se preocuparia com mais ninguém. Mas ela não era
como ele. Sempre tivera muitos amigos, vivia cercada deles; sempre tivera seus
pais, suas irmãs, suas tias; sempre amara todos eles. Não como a ele, é claro:
com ele era diferente, era realmente de outro planeta (só podia ser), mas amava
e era amada por muitos. Ao contrário dele, acreditava na bondade das pessoas.
Acreditava muito. Mudaria a sua vida para provar que todos tinham algo de bom
dentro de si.
E quando ela teve a oportunidade
de provar isso a ele, acabaram se desentendendo (ele era tão cabeça dura!).
Passaram – não se sabe como – uma semana sem conversar, sem se olhar. Já haviam
brigado outras vezes, por causa de amizades que ele não aprovava. Tinha ciúmes,
é claro. De irmão. Ciúme de pai. Mas aquela semana fora a mais triste e
realmente difícil. Até que, enfim, ele aceitou, compreendeu que era a escolha
dela e que não precisavam acabar com uma relação tão bonita e duradoura por
causa daquilo.
E voltaram a ser cúmplices,
planejando suas vinganças, brincando como crianças...